Crise no Mar Vermelho: Potenciais Impactos nos Exportadores Brasileiros


A persistência da tensão no Mar Vermelho, desencadeada pelos ataques da milícia Houthi baseada no Iêmen a navios cargueiros desde novembro, sob o pretexto de apoio à causa palestina, levanta questionamentos sobre o possível impacto nos exportadores brasileiros. Apesar da aparente distância geográfica dos conflitos, há preocupações quanto aos efeitos adversos que a deterioração da situação pode acarretar, especialmente em um momento em que a balança comercial do Brasil atingiu seu recorde histórico, registrando um saldo de quase US$ 100 bilhões em 2023.

O temor central reside na possibilidade de que as pressões sobre os custos logísticos, já evidentes, persistam e alcancem o Ocidente na forma de um repique inflacionário. Isso ocorre em um momento em que os bancos centrais dos países desenvolvidos se preparam para iniciar ciclos de cortes de juros.

Embora o impacto direto no curto prazo não tenha sido significativo para o Brasil, especialistas alertam para um possível efeito cascata, resultando no estrangulamento das operações nos grandes portos da Ásia e Europa. Isso poderia afetar tanto o tempo de viagem quanto os custos, tanto para exportar mercadorias aos mercados compradores quanto para receber insumos para a produção interna.

Arthur Pimentel, presidente do conselho de administração da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AE), destaca a relação direta entre os conflitos e o aumento imediato nos custos de frete. Ele faz referência ao incidente do porta-contêineres Ever Given, encalhado no Canal de Suez em 2021, que causou um congestionamento significativo, interrompendo algumas cadeias de produção.

Embora o Brasil esteja geograficamente distante das áreas de conflito, não está imune aos impactos gerais sobre o setor. Pimentel salienta que 96% do movimento comercial brasileiro ocorre por via marítima, tornando inevitável a repercussão nos transportadores e portos nacionais.

O Índice Mundial de Contêineres, calculado pela consultoria de supply chain Drewry, reflete o impacto imediato nos custos de transporte. O custo por contêiner de 40 pés aumentou 23% em uma semana, atingindo US$ 3.777, o valor mais alto desde outubro de 2022. Isso representa um aumento de 82% em comparação com a mesma semana do ano anterior e está 166% acima das taxas médias de 2019, antes da pandemia.

A Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (ANEA) aponta a elevação do custo do frete marítimo como um efeito imediato nas exportações e importações, devido ao aumento do tempo de viagem para a Ásia. O presidente da associação, Miguel Faus, destaca que o custo financeiro também aumenta em 15 dias, embora não preveja interrupções na cadeia, apenas aumento de custos e prazos.

Contudo, os efeitos não são uniformes para todos os setores. A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC) relata que, até o momento, não observou impactos nas exportações de grãos brasileiros, que têm a Ásia como principal destino. Produtos agrícolas como soja e milho são transportados em navios graneleiros, minimizando os impactos em comparação com as cargas transportadas em contêineres, afetadas principalmente pelos conflitos no Mar Vermelho.

Apesar disso, Pimentel adverte que uma prolongada crise pode ser perigosa para o comércio global, já que rotas alternativas podem gerar congestionamentos. As grandes companhias marítimas globais, como Hapag-Lloyd, Maersk, CMA CMG e MSC, ao suspenderem as rotas no Mar Vermelho, passaram a utilizar o Cabo da Boa Esperança, aumentando de 10 a 15 dias nas viagens entre Ásia e Europa, resultando em custos adicionais significativos, especialmente em consumo de bunker, o combustível dos navios.

Quanto às implicações inflacionárias, ainda é incerto se a tensão persistirá ou se a coalizão para garantir a segurança na região será eficaz. O UBS observa mudanças em seus indicadores de estresse da cadeia de suprimentos global, mas destaca que o impacto apenas dos custos de transporte marítimo na inflação é, até o momento, provavelmente pequeno. A Oxford Economics sugere que a perturbação causada pelos ataques no Mar Vermelho será de curta duração, com o recente aumento nos preços do frete marítimo revertendo-se.

Em última análise, Michel Alabi, consultor de comércio exterior, vê as crises como oportunidades para rediscutir as relações entre os países. Ele destaca a importância do bilateralismo e de acordos de livre comércio bilaterais ou plurilaterais diante da ausência de lideranças globais e do declínio do multilateralismo. Diante da criação de rotas alternativas de comércio, a reconfiguração das relações comerciais emerge como uma possibilidade em meio a desafios globais.