Suprema Corte Decide o Destino do Antigo Presidente dos Estados Unidos

A Suprema Corte norte-americana foi catapultada para o epicentro das eleições. A partir deste dia oito de março, os juízes deliberam se Donald Trump – o principal concorrente para a nomeação do Partido Republicano – poderá ser proibido de retornar à Casa Branca devido ao seu envolvimento em uma revolta contra o governo dos Estados Unidos, no caso, o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

A questão central gira em torno de uma decisão do tribunal estadual do Colorado, onde Trump teve seu nome retirado das cédulas para as primárias. No entanto, a sentença terá implicações mais amplas, já que outros estados aguardam a orientação da Suprema Corte para conduzir suas próprias ações diante de situações semelhantes, e há dezenas delas em todo o país.

O argumento acolhido pelo tribunal do Colorado fundamenta-se em um trecho pouco utilizado da Constituição Americana, a seção 3 da 14ª emenda, criada após a Guerra Civil para evitar que os secessionistas derrotados no conflito fossem eleitos novamente. Por uma margem estreita de quatro votos a três, a Suprema Corte estadual interpretou que Donald Trump participou de uma rebelião naquele 6 de janeiro. Logo, ele estaria inapto a reassumir a presidência e, por conseguinte, não poderia constar como candidato nas primárias.

O líder republicano apelou da decisão, e a Suprema Corte dos EUA concordou em analisar o caso devido à proximidade da votação: em 5 de março, os republicanos do Colorado irão escolher seu candidato presidencial. Contudo, o líder do partido, que liderou em todas as prévias até o momento, está temporariamente excluído da disputa.

A análise da Suprema Corte sobre a seção 3 da 14ª emenda é igualmente inédita, e, portanto, os desfechos são imprevisíveis. No entanto, os juízes podem hesitar em adentrar no terreno político e parece improvável que adotem uma decisão tão impactante quanto declarar Trump inelegível.

Prevê-se que os juízes emitam uma deliberação rápida, dada a iminência das primárias do Partido Republicano. Por exemplo, enquanto a Corte ouve os argumentos sobre a inelegibilidade de Donald Trump na quinta-feira, será a vez de Nevada realizar suas primárias. No entanto, o veredicto permanece incerto, embora algumas possibilidades possam ser imaginadas.

Os juízes poderiam, por exemplo, decidir que a 14ª emenda não é aplicável ao caso. Isso manteria o líder republicano nas primárias do Colorado e encerraria as dezenas de ações similares pelo país.

A maior parte dessas ações, aliás, já foi rejeitada, mas recursos ainda são passíveis, e uma determinação da Suprema Corte nesse sentido poria fim à contenda. Além do Colorado, apenas o Maine optou por excluir o ex-presidente das primárias, e o processo de apelação aguarda o pronunciamento vindo de Washington.

Em caso de uma decisão surpreendente que remova Donald Trump da disputa pela Casa Branca, analistas alertam para o risco de instabilidade política nos Estados Unidos. Mesmo sendo difícil alegar partidarismo na Corte, majoritariamente conservadora e com três juízes indicados pelo próprio Trump durante seu mandato, a possibilidade não pode ser descartada.

Esse foi o ponto enfatizado por Richard Hasen, diretor do Projeto de Salvaguarda da Democracia da Universidade da Califórnia. “Minha principal inquietação diante de uma decisão que desqualifique Trump não é o impacto na legitimidade da corte, mas sim a possibilidade de ocorrência de violência”, disse ele.

“A noção de que a Suprema Corte retiraria da cédula um candidato que tem milhões de seguidores fervorosos durante uma eleição corre o risco de desencadear tumultos em um período de intensa polarização política. Isso não é motivo para que a corte evite fazer o que é correto. Mas é razão para se preparar para qualquer eventualidade, especialmente diante do histórico de Trump de incentivar a violência quando não consegue o que deseja – o que nos trouxe a esta situação em primeiro lugar”, concluiu.

Existe ainda a possibilidade de a Corte simplesmente não tomar uma decisão, o que poderia reacender aquelas ações já rejeitadas e dar impulso a outras novas que contestem a presença de Trump nas eleições. Caso o republicano vença nesse cenário de indefinição, a discussão poderia se prolongar até 6 de janeiro de 2025 e recair sobre o Congresso no momento de certificar o resultado das urnas.

Em resumo, a seção 3 da 14ª emenda estipula que nenhuma pessoa que tenha prestado juramento de apoiar a Constituição e depois se envolva em rebelião contra a mesma poderá ocupar qualquer cargo público nos Estados Unidos. Conforme a Constituição, essa exclusão pode ser revertida pelo Congresso.

Depois da anistia aos confederados em 1872, a lei ficou latente. Na história recente dos Estados Unidos, foi aplicada apenas uma vez no ano passado para destituir um funcionário público no Novo México, também por participação na invasão ao Capitólio. O grupo que instaurou a ação foi, inclusive, o mesmo que agora questiona se Donald Trump pode concorrer à presidência, o Citizens for Responsibility and Ethics in Washington (CREW).

Por outro lado, há também quem acuse o presidente Joe Biden de violar outro trecho da seção 3 da 14ª emenda, que versa sobre oferecer “ajuda e conforto” aos inimigos do país. Isso seria uma referência à crise na fronteira com o México, onde o fluxo recorde de imigrantes exacerbou a polarização entre democratas e republicanos.

A defesa de Donald Trump, por sua vez, explora a ambiguidade do texto e a singularidade da situação para refutar a tese de inelegibilidade. Um dos argumentos é que o texto menciona especificamente senadores e representantes do Congresso, mas não o presidente. Logo, segundo os advogados do republicano, o termo genérico “officer”, utilizado para descrever funcionários públicos e autoridades, não se aplicaria nesse contexto.

O juramento também foi utilizado como argumento para sustentar que a lei não se aplica a Trump. Argumenta-se que o presidente jurou “preservar, proteger e defender” a Constituição, não “apoiá-la”, como previsto na emenda.

Outro ponto destacado pelos advogados do líder republicano é que a lei não poderia ser aplicada sem regulamentação do Congresso. Isso porque os mecanismos criados após a Guerra Civil já foram revogados.

A defesa nega ainda que as ações do então presidente em 6 de janeiro sejam equivalentes a uma insurreição e enfatiza que esse crime específico não está entre as acusações que ele enfrenta. Além disso, segundo a defesa, mesmo que se argumente que Trump demorou horas para conter a crise, “uma mera falha não constitui envolvimento em insurreição”.

O crime de incitar insurreição fundamentou o segundo processo de impeachment enfrentado por Donald Trump, nas últimas horas de seu mandato. Contudo, o então presidente foi absolvido pelo Senado das acusações relacionadas ao 6 de janeiro. O republicano enfrenta duas ações criminais pela tentativa de reverter a derrota para Joe Biden naquele ano, uma em âmbito federal e outra promovida pelo estado da Geórgia. Todavia, as queixas não contemplam especificamente a insurreição.

Os autores da ação, por sua vez, argumentam que a presidência é um cargo público, conforme indicado em outros trechos da Constituição. E que o juramento de “preservar, proteger e defender” a Constituição não apenas é equivalente a “apoiar”, como é ainda mais abrangente.

Ainda conforme o grupo que questiona a qualificação do republicano para concorrer novamente, a lei é “autoexecutável”, ou seja, não precisa ser regulamentada pelo Congresso, conforme já determinou a Justiça em outras ocasiões.

Sobre a insurreição, o professor de direito Gerard Magliocca – chamado pelos autores da ação para testemunhar no Colorado na qualidade de especialista – ressaltou que a interpretação do termo era mais ampla na época em que a emenda foi redigida.

“Qualquer uso público de força ou ameaça de força por um grupo de pessoas para dificultar a aplicação da lei era considerado insurreição”, disse ele, ao recordar, por exemplo, que um parlamentar chegou a ser impedido por ter escrito uma carta durante a Guerra Civil na qual defendia o uso da violência caso seu estado fosse invadido.

A juíza distrital do Colorado, Sarah B. Wallace, concluiu em novembro do ano passado que as ações de Trump em 6 de janeiro foram, de fato, equivalentes a uma insurreição. No entanto, ponderou que a 14ª emenda não se aplicaria ao caso e decidiu manter o líder republicano nas cédulas.

“Um aspecto da sentença do tribunal é a sua hesitação em adotar uma interpretação que desqualificaria um candidato à presidência sem uma clara e inequívoca indicação de que tal é a intenção da seção 3”, redigiu a juíza em seu extenso parecer de 102 páginas.

Na mesma semana, os estados de Minnesota e Michigan também optaram por manter o líder republicano na disputa ao responder a ações similares. O entendimento foi seguido por outros tribunais.

Entretanto, no caso do Colorado, a Suprema Corte do estado reverteu a decisão da juíza Wallace no mês passado. “A maioria dos membros do tribunal considera que o ex-presidente Trump está inabilitado para a função presidencial com base na seção três da Décima Quarta Emenda da Constituição”, afirma o parecer, enfatizando que a decisão foi tomada com seriedade e rigor.

Donald Trump chegou a ter seu nome impresso nas cédulas, e agora o impasse no Colorado aguarda o desfecho em Washington.