Com a soja brasileira em níveis recordes e tensões comerciais com os EUA, a China atrasa compras para dezembro e janeiro e pode usar reservas estatais para suprir a demanda. Entenda os impactos no mercado global.
China adia compras de soja e pode usar reservas estatais diante de prêmios elevados no Brasil
A China, maior importadora mundial de soja, enfrenta um impasse estratégico. Com prêmios elevados das cargas brasileiras e tensões comerciais persistentes com os Estados Unidos, o país asiático ainda não garantiu grande parte de seu suprimento de soja para os meses de dezembro e janeiro. Essa incerteza pode levar Pequim a recorrer às reservas estatais para atender às demandas internas de curto prazo.
De acordo com informações de três traders ouvidos pela Reuters, a China ainda precisa adquirir entre 8 e 9 milhões de toneladas de soja para embarque nesse período. Até novembro, o país cobriu suas necessidades por meio de intensas compras de grãos argentinos, aproveitando preços mais competitivos e menor risco político.
Tensões comerciais e alta nos prêmios brasileiros travam negociações
Um dos principais entraves para novas compras é o custo. Atualmente, os prêmios da soja brasileira estão entre US$ 2,8 e US$ 2,9 por bushel, acima dos prêmios praticados pelos Estados Unidos, que giram em torno de US$ 1,7 por bushel. Essa diferença expressiva tem desestimulado os importadores chineses, que já enfrentam margens de esmagamento negativas durante boa parte do segundo semestre.
Segundo um trader de Xangai, as esmagadoras chinesas estão com pouca motivação para fechar contratos futuros, já que os custos elevados do Brasil comprimem ainda mais as margens. “A China não está comprando grão dos EUA por causa da guerra comercial e a soja brasileira está muito cara”, afirmou um operador de uma trading internacional.
Possível uso das reservas estatais
Diante desse cenário, analistas apontam que a China pode recorrer às suas reservas estratégicas de soja para suprir a demanda nos próximos meses. Essa seria uma medida temporária até a chegada da nova safra sul-americana, esperada para o início de 2026.
A expectativa é de que o Brasil colha um recorde de 177,64 milhões de toneladas de soja na temporada 2025/26, segundo a Conab. Esse volume supera em cerca de 6 milhões de toneladas a colheita anterior, o que tende a pressionar os preços internacionais e oferecer alívio para compradores como a China.
Um trader ouvido pela reportagem afirmou que os embarques da nova safra brasileira devem começar no final de janeiro, o que pode ajudar a estabilizar o mercado e atrair novamente os compradores chineses.
China bate recordes de importação, mas margens seguem negativas
Mesmo diante das incertezas, o ritmo de importações da China foi intenso ao longo de 2025. O país registrou recordes sucessivos nos meses de maio, junho, julho, agosto e setembro, segundo dados da Thomson Reuters.
Por outro lado, as margens de esmagamento em Rizhao – uma das principais regiões industriais do país – permaneceram negativas durante a maior parte do segundo semestre, refletindo a dificuldade das indústrias em repassar os custos mais altos ao consumidor final.
Essas margens pressionadas indicam que, embora o consumo de soja continue alto, o mercado doméstico chinês enfrenta limitações de rentabilidade, o que afeta diretamente o apetite dos compradores por novos contratos a preços elevados.
Perspectivas para 2026: espera por acordo e nova safra
No cenário geopolítico, as negociações entre China e Estados Unidos seguem como fator-chave para determinar o rumo das importações chinesas de soja. Analistas acreditam que, caso haja um acordo comercial entre Washington e Pequim, os processadores de oleaginosas chineses voltarão a comprar grãos norte-americanos, aproveitando preços mais competitivos e prazos de entrega favoráveis.
“Se o acordo for concretizado, os compradores chineses provavelmente recorrerão aos grãos dos EUA para a janela de dois meses, com preços mais atraentes do que as ofertas sul-americanas”, afirmou Johnny Xiang, fundador da AgRadar Consulting, sediada em Pequim.
Há expectativa de que o tema da soja esteja entre os assuntos a serem discutidos em uma possível reunião entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da China, Xi Jinping, na Coreia do Sul. Pequim, no entanto, ainda não confirmou oficialmente o encontro.
Trump chegou a acusar a China de evitar propositalmente as compras de soja norte-americana, classificando a postura como um “ato economicamente hostil” que teria causado dificuldades aos produtores dos EUA.
Diversificação e mudança de dependência
Desde a primeira administração de Donald Trump, a China vem diversificando suas fontes de importação. Em 2016, cerca de 41% da soja importada pelo país vinha dos Estados Unidos. Em 2024, essa participação caiu para aproximadamente 20%, segundo dados da alfândega chinesa.
A estratégia de diversificação visa reduzir a vulnerabilidade do país às tensões políticas e comerciais, além de fortalecer relações com parceiros da América do Sul, como Brasil e Argentina, que hoje respondem pela maior parte do fornecimento.
Conclusão
A combinação entre altos prêmios da soja brasileira, margens negativas das esmagadoras chinesas e tensões comerciais com os EUA coloca o mercado global de soja em um período de incerteza.
Se por um lado, o Brasil deve oferecer alívio com uma safra recorde em 2026, por outro, a China ainda precisa equilibrar custos, estoques e acordos diplomáticos para garantir o abastecimento de curto prazo.
Até lá, o uso das reservas estatais parece ser a alternativa mais viável para manter o ritmo de produção interna, enquanto o mercado aguarda a próxima colheita sul-americana e possíveis avanços nas negociações entre Pequim e Washington.


